A Vertigem dos Dias e a Inquietude


Estou a terminar a leitura deste livro do Daniel Sampaio. É curioso...
Tenho todos os livros da bibliografia deste autor, pessoa que admiro como profissional (ele é psiquiatra com reconhecido mérito no trabalho com famílias e jovens) e pensador das questões da Educação. Li, o meu primeiro livro dele há muitos anos e, até hoje, não consigo perceber onde começa o que aprendi com ele ou acaba o que sempre foi também a minha ideia sobre estes assuntos. Sempre que estou a ler um livro dele sinto que aquilo que ele escreve acerca de Educação eu sinto que poderia ter escrito também, o que não deixa de me intrigar e entristecer um pouco, é verdade. Se tivesse tido um pouquinho mais de ambição talvez pudesse ter construído um percurso profissional mais próximo daquilo que sei que são as minhas potencialidades. Mas enfim...

Este novo livro não é excepção e, dada a cada vez maior pertinência destes temas para mim (por razões profissionais e, óbviamente, pessoais - tu!) tem sido, para surpresa minha, com muita inquietude que tenho devorado cada página deste A Razão dos Avós...
Inquietude. Por partilhar com Daniel Sampaio as ideias transversais a este livro e não conseguir vislumbrar uma saída para este impasse que vive a nossa sociedade, perdida entre uma vertiginosa (sobre)vivência do dia-a-dia e alguma ausência de valores na educação desta nova geração (a tua, que é a destes meninos aqui no colégio, meu amor).
Esta leitura despertou-me para uma realidade inequívoca. A geração daqueles que são agora avós (como os teus próprios) nasceu de uma mundo em transformação, contestou a pesada herança das tradições familiares e viveu a juventude na revolução de Abril com ideias de liberdade e igualdade entre sexos, pais e filhos, raças e culturas. As avós de hoje abriram caminho para a ocupação de postos de trabalho cada vez mais qualificados, sendo que as mães de hoje são também profissionais competentes com horários e trabalho cada vez mais absorventes. Daqui resultou que muitos avós de hoje criaram os seus filhos na base de valores de liberdade, de escuta activa e empatia para com as necessidades dos filhos, com menos rigidez e mais tolerância. Nos tempos dos teus avós, apesar de tudo, as mulheres trabalhavam mas não viviam para o trabalho, não andavam em correrias para apanhar autocarros e em metros apinhados de gente, não se sentiam levadas pelos apelos do consumo e pelas ideias de realzação pessoal e profissional.
Nós, a minha geração e a do teu paizola, crescemos sem conhecer grandes dificuldades financeiras ou outras, estabelecemos relações com os nossos pais baseadas no diálogo e no respeito por alguma distribuição hierárquica dos papéis, mas crescemos já muito virados para nós próprios e para a satisfação dos nossos desejos pessoais.
É como tudo o resto, de geração para geração, algo na transmissão de valores fica para trás: os teus avós conheceram a liberdade de expressão e a prosperidade e permitiram que os filhos nunca passassem fome, fossem sempre tidos em conta e ouvidos, e não lhes faltasse uma coisa que eles tiveram pouco na sua infância: brinquedos, por exemplo. A minha geração já levava dois dados adquiridos: a liberdade de expressão e a satisfação das necessidade pessoais. Para nós esses dois dados estão tão plenamente assimilados que acabou por conduzir esta geração a eliminar quase por completo a linha das hierarquias nas famílias, sendo que os meninos da tua geração cada vez se tornam mais o centro da vida dos pais. E é aqui que o caos parece começar...
Já não há crianças que dão pulos de contentes por terem recebido finalmente aquele brinquedo pelo qual esperaram ansiosamente vários meses. Agora comentam: Fogo, pedi aos meus pais no fim-de-semana aquele jogo novo para a Playstation e ainda não me deram o dinheiro para comprar! Eles nunca me dão atenção nenhuma... Atenção??? Desde quando receber atenção é sinónimo de receber presentes??? Será que já não se pode esperar para ter nada nesta vida? Onde ficou a boa educação de esperar que se pergunte o que se deseja antes de começar a exigir este mundo e o outro, como fazem a maior parte dos meninos que entram aqui pela Secretaria a dentro todos os dias, como se eu e a Laurinda, existissemos tão somente para lhes satisfazer as necessidades?
E sabes o que me inquieta, querida Pipoca? O saber que não perdi o norte ao rumo da educação que me sinto na obrigação de te dar. Saber que não tenho medo de te dizer não quando é preciso, que não tenho medo de me recusar a escutar-te quando achar que não terás nada para me dizer que eu possa eventualmente considerar (hoje os pais têm um medo terrível de dizer aos filhos: acabou a conversa! Pedagogias modernas, enfim...). Saber que não vou aceitar que não possas esperar pelas coisas que verdadeiramente desejas, porque há virtude na paciência. Hoje em dia confunde-se impaciência com determinação, falta de educação com personalidade forte, egoísmo com individualismo... Já te tinha escrito uma vez: nunca seremos amigas, Pipoca. Somos mãe e filha e isso será sempre um vínculo maior. Dele depende te formares e cresceres como pessoa de uma forma saudável e os pais esquecem-se disso. Porquê? Acho que vivemos a maior crise de autoridade de sempre! Os pais nem parecem pais!!!
Mas sim, inquieta-me. Inquieta-me saber-me presa num horário de 8h diárias de trabalho e em 2h diárias de transportes públicos, inquieta-me não ter tempo para te ensinar nada disto de que te falei. Esta vertigem dos dias que passam uns atrás dos outros e não deixam tempo para nós, para os nossos filhos, para viver. Tenho medo de não conseguir fugir á regra destes pais que critico...
A I. saía arrastada pelo passo acelerado da mãe (que gritava ter o carro mal-estacionado) enquanto chorava convulsivamente porque o seu brinquedo de estimação tinha ficado para trás, fechado na sala das actividades onde passaria a noite sem ela...Deixa, a mãe compra-te outro ali na papelaria, depois de ver se não rebocaram o carro!
Se eu quero ser como a mãe da I.? Não. Queria ser a mãe que procuraria um lugar para estacionar convenientemente o carro antes de te ir buscar, que procuraria uma funcionária para abrir a porta da sala e resgatar da escuridão o teu brinquedo e que a seguir te perguntaria: E agora? Vamos beber um sumo antes de ir para casa? Aproveitas e contas-me o que fizéste hoje na escolinha! Boa? E a vida, dará mesmo para viver assim, como eu idealizo? Hum... se calhar, não!

3 comentários:

Anónimo disse...

Gluuuuuuuuuuup, muguita!

Eli Gee disse...

Ya, gluuuuup, muga... lol!!!

Obrigada pela dica para as fotos, muguita! E sim, a ver se vês a Pipoquita este fim-de-semana... só para teres uma ideia de como vais ver o Dioguito daqui a uns tempos: um maroto muito divertido!Eheheh!!! Já se sabe, bébés de Agosto...

Uma super zubaaaaaa!!!

carla caseiro fotografia disse...

Olá,

Pois é, a vida de facto não dá tempo para os nossos ideais. Eu nem posso falar sobre isso!!!
O remédio é ir tentando colocar em prática "alguns" desses ideais, os possíveis e tudo fazer para termos de facto a certeza que fizémos o que podíamos.

Beijocas
CC & Ruca